segunda-feira, 14 de julho de 2008

Destino ou Fatalidade


Ouvimos muitas vezes dizer, (mesmo entre alguns daqueles que integram ou simpatizam com a Doutrina Espírita) que temos de nos resignar e aceitar a vontade de Deus, pois certos acontecimentos já estavam programados antecipadamente, antes da reencarnação.
Nada acontece por acaso, tudo tem uma razão de ser. Nada a fazer, portanto. Seguindo este raciocínio, encontramos subjacente a esta tese, o pensamento de que a vida se concretiza num dado cenário, em que nós, actores, nos limitamos a representar o papel que nos foi atribuído, cumprindo à risca o nosso destino. Será?

Como aprendizes que somos todos, devemos emitir opinião, mas sempre baseada na reflexão cuidada e apoiada em bases sólidas, no estudo das obras da Codificação. Ainda que a nossa intenção seja a melhor: a de consolar e, sobretudo, por essa mesma razão, já que só a compreensão das razões da existência humana nos pode trazer a real e duradoura aceitação das provas com as quais somos confrontados nas várias etapas da vida.

Sabemos que o espírito, quando atinge determinado estágio evolutivo, está autorizado a proceder a certas escolhas do tipo de caminho que irá percorrer ao longo da reencarnação que se aproxima. Dentro dos planos estabelecidos por conselheiros espirituais, por compreensão das falhas que ainda carrega, após acurado estudo no mundo espiritual e reafirmação da sua vontade em se ultrapassar, esse espírito tem alguma liberdade de decisão.
Kardec, na questão 258 de “O Livro dos Espíritos” afirma que o espírito reencarnante tem a possibilidade de escolher “o género de prova que deseja sofrer”. pág. 161 (trad. de José Herculano Pires)

Todavia, quantas vezes, não fracassamos nas nossas melhores intenções de mudança de comportamentos, no decorrer da vida terrena?!
Que dizer então, quanto às decisões tomadas ainda no mundo espiritual, em que a nossa consciência se encontra desperta e a alma sofre as agruras do arrependimento pelo tempo perdido e as oportunidades desperdiçadas?!
Podemos imaginar que tudo prometemos e que, na pressa de reafirmar a nossa mudança interior, possamos até desejar passar pelas provas mais difíceis para assim alcançarmos rapidamente a felicidade tão almejada.
Daí que cada reencarnação seja sempre objecto de uma cuidadosa planificação, de acordo com as nossas reais capacidades de as vencermos, ao mergulhar na carne, com o esquecimento natural das nossas intenções e promessas. Pois o espírito detém sempre o livre-arbítrio e é responsável por cada um dos actos que decide praticar, face ao tipo de obstáculo que cada vida terrena lhe apresenta.

Que sentido fará pensar que alguém que assassina outrem já vinha “programado” para matar e que a espiritualidade apenas se limitou a aproveitar a sua má índole, afim de que outro possa passar por essa prova: ser assassinado?!

Pode o espírito ser colocado num determinado ambiente, propício ao crime, mas cabe-lhe a ele a responsabilidade de decidir entre o Bem ou o Mal.
Quantos indivíduos, nascidos em famílias desestruturadas, ausentes de valores educativos que lhes segurem os instintos, vivenciando maus-tratos e carentes de afecto e protecção, não saiem vitoriosos, lançando-se noutros trilhos distantes do berço em que lhes foi dado viver? E outros tantos, beneficiados pelo amor e pela fortuna, não caem nos enredos do vício e da ingratidão, tornando-se nos carrascos daqueles a quem tudo devem?!
Onde encontramos, nos casos que observamos diariamente, exemplos da fatalidade e do destino a que tantos se referem? Se pode existir alguma verdade no facto de necessitarmos de passar por algum género de prova, não devemos ver isso como algo inevitável e onde nada nos é permitido fazer para alterar a situação.

258-a - “Se um perigo vos ameaça, não fostes vós que o criastes, mas Deus; tivestes, porém, a vontade de vos expordes a ele, porque o considerastes um meio de adiantamento; e Deus o permitiu.” pág. 161 (trad. de José Herculano Pires)

Na questão 861, podemos ler que “não há ninguém predestinado ao crime e que todo o crime, como todo e qualquer acto, é sempre resultado da vontade e do livre arbítrio.” pág. 340, O Livro dos Espíritos (trad. de José Herculano Pires)

Também há os que defendem a tese da “Pena de Talião” mais conducente com o Antigo Testamento: se alguém sofre uma violação, é porque numa vida anterior foi objecto desse mesmo escândalo.
Jesus não veio ensinar o Perdão, afirmando que “o Amor cobre uma multidão de pecados”?
Caso o homem se dedique ao próximo, contribuindo para o progresso da sua colectividade, tornando-se útil à sociedade, precisará ainda passar por determinada prova (mesmo que esta tenha sido anteriormente planeada na erraticidade), conquistando fatalmente pelo sofrimento, o que já provou ter adquirido, através do amor ao seu semelhante?


Há, de facto, acontecimentos que nos ultrapassam e que, provavelmente, nos estavam “destinados”, tendo sido anteriormente escolhidos pelos espíritos que necessitavam desse tipo de prova para a sua própria evolução. Pensamos, por exemplo, nas tragédias colectivas, ocorridas ao longo dos tempos.
Diz-nos Kardec:
- “De resto, confundis sempre duas coisas bem distintas: os acontecimentos materiais da vida e os actos da vida moral. Se, algumas vezes, há fatalidade, é nos acontecimentos materiais cuja causa está fora de vós, e que são independentes da vossa vontade. Quanto aos actos da vida moral, eles emanam sempre do próprio homem, que tem sempre, por conseguinte, a liberdade de escolha; para esses actos, pois, jamais há fatalidade.” pág. 340, O Livro dos Espíritos (trad. de José Herculano Pires)

Todavia, nem sempre podemos separar totalmente essas duas situações (de origem material e de origem moral), pois são cada vez mais frequentes os desastres que ocorrem no planeta, trazendo o sofrimento a milhares de seres que ficam na miséria mais extrema ou que desencarnam compulsivamente.
Ainda aqui, vemos nitidamente a mão do Homem, responsável não só pela sua evolução, como pelas escolhas que faz na preservação da vida na terra e na melhoria das condições humanas.
Na questão 573 , Kardec interroga a espiritualidade:

-“Em que consiste a missão dos espíritos encarnados?”

- “Instruir os homens, ajudá-los a avançar, melhorar as suas instituições por meios directos e materiais. Mas as missões são mais ou menos gerais e importantes. Aquele que cultiva a terra cumpre uma missão, como aquele que governa ou aquele que instrui. (…)” pág. 248

Esta a prova irrefutável de que não existe fatalidade ou destino a que não se pode fugir, pois a Doutrina Espírita é clara neste ponto, incentivando-nos os Espíritos Superiores, através de Kardec, ao progresso individual e colectivo, responsabilizando-se cada um de nós, dentro das nossas possibilidades, pela parte que nos cabe na procura do bem comum e do nosso percurso evolutivo.

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