segunda-feira, 21 de julho de 2008

Lei da Evolução




O Devoto Desiludido



O fato parece anedota, mas um amigo nos contou a pequena história que passamos para a frente, assegurando que o relato se baseia na mais viva realidade.
Hemetério Rezende era um tipo de crente esquisito, fixado à idéia de pa­raíso. Admitia piamente que a prece dispensava as boas obras e que a oração "ainda era o melhor meio de se forrar a qualquer esforço.
"Descansar, descansar! ... " Na cabeça dele, isso era um refrão mental incessante. O cumprimento de mínimo dever lhe surgia à vista por atividade sacrificial e, nas poucas obrigações que exercia, acusava-se por penitente desventurado, a lamentar-se por bagatelas. Por isso mesmo, fantasiava o "doce fazer nada" para depois da morte do corpo físico. O reino celeste, a seu ver, constituir-se-ia de espetáculos fascinantes de permeio com manjares deliciosos ... Fontes de leite e mel, frutos e flores, a se reve­larem por milagres constantes, enxameariam aqui e ali, no édem dos justos ...
Nessa expectativa, Rezende largou o corpo em idade provecta, a pre­libar prazeres e mais prazeres. Com efeito, espírito desencarnado, logo após o grande transe foi atraí­do, de imediato, para urna colônia de criaturas desocupadas e goza­doras que lhe eram afins, e ai en­controu o padrão de vida com que sonhara: preguiça louvaminheira a coroar-se de festas sem sentido e a empanturrar-se de pratos feitos. Nada a construir, ninguém a auxi­liar ...
As semanas se sobrepunham às semanas, quando, Rezende, que se supunha no Céu, passou a sentir­-se castigado por terrível desencan­to. Suspirava por renovar-se e con­cluía que para isso lhe seria indis­pensável trabalhar ...
Tornado de tédio e desilusão não achava em si mesmo senão o an­seio de mudança.
À face disso, esperou e esperou e, quando se viu à frente de, um dos comandantes do estranho burgo es­piritual, arriscou, súplice:
- Meu amigo, meu amigo! ... Quero agir, fazer algo, melhorar­-me, esquecer-me!... Peço trans­formação, transformação! ...
- Para onde deseja ir? - indagou o interpelado um tanto sarcástico. - Aspiro a servir em favor de al­guém. .. Nada encontro aqui para ser útil ... Por piedade, deixe-me seguir para o inferno, onde espero movimentar-me e ser diferente ...
Foi então que o enigmático chefe sorriu e falou, claro:
- Hemetério, você pede para des­cer ao inferno, mas escute, meu caro!. .. Sem responsabilidade, sem disciplina, sem trabalho, sem qualquer necessidade de praticar a abnegação, como vive agora, on­de pensa você que já está?



Irmão X
In “Estante da Vida” (psicografia de Francisco Cândido Xavier)

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