Companheiro em fuga (2)
Doutrinador:
Sabes que estás no plano espiritual?
Espírito:
Sei. E venho falar em nome de Jesus.
Doutrinador:
E o que é que tens a dizer em nome de Jesus, querido amigo?
Espírito:
Tenho a dizer que se tem que praticar o Bem.
Doutrinador:
E a Caridade, não é verdade?
Espírito:
E a Caridade. E temos que ser todos, todos, todos unidos. E respeitar as leis.
E respeitar o chefe.
Doutrinador:
Quem é o chefe?
Espírito:
Em qualquer emprego tem que se respeitar o chefe e obedecer.
Doutrinador:
Obedecer ao chefe... muito bem. Obedecer cegamente?!
Espírito:
Obedecer à lei.
Doutrinador:
Sim senhor... Quer dizer então que as pessoas não podem discordar do chefe?!
Espírito:
Podem discordar, mas depois sofrem as consequências. O melhor é não se
envolverem muito.
Doutrinador:
Segundo eu posso entender o que tu defendes é a ditadura. A ditadura do chefe,
claro está.
Espírito:
Não. Não deturpes as minhas palavras.
Doutrinador:
O que eu entendi pelas tuas palavras é que se deve sempre obedecer ao chefe...
Espírito:
Se existe uma lei temos que a cumprir, é claro.
Doutrinador:
E era o que tu fazias enquanto foste funcionário público, não é verdade?
Espírito:
Temos que cumprir se quisermos manter esse emprego e se não quisermos conflitos
com ninguém!
Doutrinador:
Tu foste funcionário público no tempo de Salazar... Sabes que as pessoas que
pertenciam à PIDE (polícia política)
também eram funcionários públicos e torturavam pessoas. Achas que eles
procediam bem?
Espírito:
Eu não estou aqui para emitir juízos de valor sobre ninguém. Não devemos julgar
ninguém. Quem somos nós para julgar alguém? Não devemos julgar ninguém.
Doutrinador:
Isso não é bem assim. Depende da forma como se faz o julgamento. Claro que
todos nós temos opinião acerca de alguém. Não se trata de incriminar, de
condenar... Trata-se de avaliar. E todos nós temos a nossa capacidade de
avaliação. Não somos seres autómatos, não é verdade? Um funcionário público...
Espírito:
Tem que obedecer!
Doutrinador:...
por ser funcionário público não tem que ser um autómato.
Espírito:
Obedece e não se envolve em confusões.
Doutrinador:
Obedecer significa para ti ser autómato, sem capacidade de julgar o que está certo
e o que está errado.
Espírito:
Não: significa cumprir.
Doutrinador:
Não se envolver em confusões significa consentir tudo. E consentir o que está
mal - e aqui discordamos de ti, querido amigo - é errado. Portanto nós devemos
ter a nossa opinião própria para podermos discordar do que está errado.
Espírito:
Do que é que serve discordar? Isso discorda-se no café, com os amigos.
Doutrinador:
Tu dizes que segues Jesus. Mas se Jesus não discordasse do modo de vida do
tempo d’Ele, se não tivesse dado o exemplo do Amor e da Caridade nós não
teríamos o património que temos hoje. E Jesus teve que discordar. Jesus
discordou dos fariseus e chamou-os, inclusivamente, de hipócritas. Discordou
deles porque não estava de acordo com eles. Por isso foi crucificado.
Espírito:
Mas nós não somos Jesus.
Doutrinador:
Não somos Jesus, mas queremos seguir Jesus. Não seremos hoje crucificados no
sentido em que Jesus foi. Mas podemos sê-lo de outra forma. Devemos defender a
Justiça. Aliás o Mestre disse ‘Bem aventurados aqueles que padecem por amor à
Justiça’. E nós lutamos por aquilo que achamos justo, que está de acordo com as
leis de Deus, do Amor e da Caridade. Foi isso o que Jesus fez. No meio daquela
turbulência em que Ele vivia o Mestre soube destacar-se das massas e dar o exemplo.
Deixou um pequeno grupo de seguidores.
Espírito:
São sempre poucos. Falam, falam, falam, mas são sempre poucos.
Doutrinador:
Deixa estar, não te preocupes.
Espírito:
Esses que arriscam são sempre poucos. Nós temos família.
Doutrinador:
Não te preocupes.
Espírito:
Nós temos deveres para cumprir.
Doutrinador:
Também os discípulos de Jesus tinham família, não é verdade? Nos séculos que se
seguiram muitos e muitos discípulos de Jesus tinham família e lá por isso não
deixaram de seguir Jesus.
Espírito:
Mas nós podemos praticar a Caridade de outra forma: fazendo orações.
Doutrinador:
Sim, isso é, digamos uma forma passiva. Mas há formas activas. A Caridade não
se resume à oração.
Espírito:
A oração resolve tudo.
Doutrinador:
Não, a oração não resolve tudo, amigo. Ajuda-nos a resolver.
Espírito:
A oração resolve tudo. Resolve tudo.
Doutrinador:
A oração ajuda, amigo. Com a oração atraímos os Bons Espíritos que nos dão as
boas intuições. Mas somos nós que temos que realizar. Nós temos o nosso livre-arbítrio.
Mas não podemos ficar parados. A oração é uma poderosa alavanca.
Espírito:
Então, se eu tiver que passar, passo.
Doutrinador:
Se tivermos que passar por determinada provação, passamos, isso não há dúvida.
Tens razão. Mas deixemos agora isso que poderíamos estar aqui a debater durante
horas e vamos lá a ti, em particular.
Espírito:
Eu não quero falar de mim. Eu só vim aqui dizer para o aceitarem, para o
ouvirem.
Doutrinador:
Nós ouvimo-lo, mas isso não quer dizer que estejamos de acordo.
Espírito:
Mas isso causa mal-estar.
Doutrinador:
O que estás a querer dizer é que nós temos que obedecer a ele e isso, caro
amigo...
Espírito:
Temos que concordar uns com os outros.
Doutrinador:
Não é bem assim. Podemos concordar ou não, depois de um debate. Depois de
analisarmos os prós e contras. O que estás a dizer é que temos que obedecer e
aí, caro amigo, podemos obedecer ou não, depende da finalidade.
(CONTINUA)
Extraído do livro "Falando com os Espíritos", de Eduardo Guerreiro (ainda não publicado)
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